domingo, dezembro 31, 2006

Sebastião Alba

EPÍLOGO

Fui
hóspede desta mansão
na encruzilhada
dos meus sentidos.

O verso apenas é,
transversal e findo,
o poleiro evocativo
da ave do meu canto.

Essa ave em que o Outono
se perfila
e, cada vez mais exígua
no rumo e nas vigílias
do seu bando,
de súbito, espirala
até sumir-se
num país imaginário.


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sábado, dezembro 23, 2006

Jall Sinth Hussein

BASMA (33)

Não busques verdade
no que sabes e acreditas
vê antes por fora


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terça-feira, dezembro 19, 2006

Alberto de Lacerda

EXÍLIO

O exílio é isto e nada mais
Na sua forma mais perfeita:
Hoje na terra de meus pais
Somente a luz não é suspeita


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segunda-feira, dezembro 04, 2006

João Paulo Borges Coelho

CRÓNICA DA RUA 513.2 (excerto/4)

O que distinguia a loja de Valgy, mais ainda que os panos, era a arte que o dono tinha, como ele dizia, de dar esses panos a provar (no seu português aproximado e delirante, considerava que pelo tacto e pela vista se conseguia descobrir o sabor). Empunhava uma longa vara de madeira com um gancho na ponta, mergulhava-a na escuridão das alturas e, com um gesto seco sacudia um rolo até aí invisível que, ao soltar-se de onde estava pendurado principiava a descer lentamente, atravessando os ares. A princípio parecia uma mancha de tinta negra, uma fuligem sujando o ar, a asa de um morcego adejando devagar. A meio do voo ganhava os tons cinzento-azulados aos olhos da pasmada clientela, virada para cima a tentar descobrir o que ali vinha. E por fim, uma lenta borboleta colorida brincando com a luz que lhe chegava antes de se desenrolar suavemente no balcão. E Valgy recebia nos braços, como quem recebe uma criança, uma cambraia finíssima de linho ou algodão a que fiapos de teias de aranha que trazia agarrados conferiam ainda maior leveza. Tão fina que não tinha cor, que não podia tê-la uma vez que a cor não teria matéria tangível a que se agarrar. Uma cambraia que se limitava por isso a reflectir a cor das coisas em redor: o castanho-escuro das mãos de Valgy – que a afagavam para melhor fazer ressaltar o seu valor e qualidade – ou a própria cor do olhar das clientes, que a fitavam intrigadas. Quase, já, maravilhadas.


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