Jorge Viegas
DO MEU PAÍS
Do meu País as aves se ausentaram
e com elas se foi a vida, a alegria.
E os poetas, nos versos que cantaram,
foram pássaros de morte e de melancolia.
[113]
sábado, novembro 27, 2004
terça-feira, novembro 23, 2004
José Craveirinha
POLANA
I
Doirada alcatifa d’areia.
Um cúmplice lençol de praia.
Gloriosas bocas ávidas
Celebrando hinos.
Epílogos de carícias.
Gaivotas de nervos.
A maresia.
O sol.
A praia.
II
Uma enternecedora capulana de maresia.
Uma arenosa esteira prateada.
Gloriosas nossas bocas ávidas
celebrando cem mil hinos das línguas.
Beijos trincando-nos os dentes.
[112]
POLANA
I
Doirada alcatifa d’areia.
Um cúmplice lençol de praia.
Gloriosas bocas ávidas
Celebrando hinos.
Epílogos de carícias.
Gaivotas de nervos.
A maresia.
O sol.
A praia.
II
Uma enternecedora capulana de maresia.
Uma arenosa esteira prateada.
Gloriosas nossas bocas ávidas
celebrando cem mil hinos das línguas.
Beijos trincando-nos os dentes.
[112]
segunda-feira, novembro 22, 2004
GALINHA À ZAMBEZIANA
1 galinha
1 coco
1 colher de chá de sal
2 limões
2 dentes de alho
1 colher de chá de pimenta
1 colher de chá de piri-piri em pó
2 colheres de sopa de óleo
Toma-se uma galinha nova, limpa-se e tempera-se com sal, limão, pimenta, piri-piri e alho. Extrai-se o leite a um coco ralado e mistura-se com duas colheres de óleo. Grelha-se depois a galinha em fogo lento, regando-a constantemente com a mistura de coco e óleo. À hora de servir aproveite o molho que estiver no tabuleiro para regar a galinha. Esta receita é também saborosa quando a galinha é assada no carvão.
1 galinha
1 coco
1 colher de chá de sal
2 limões
2 dentes de alho
1 colher de chá de pimenta
1 colher de chá de piri-piri em pó
2 colheres de sopa de óleo
Toma-se uma galinha nova, limpa-se e tempera-se com sal, limão, pimenta, piri-piri e alho. Extrai-se o leite a um coco ralado e mistura-se com duas colheres de óleo. Grelha-se depois a galinha em fogo lento, regando-a constantemente com a mistura de coco e óleo. À hora de servir aproveite o molho que estiver no tabuleiro para regar a galinha. Esta receita é também saborosa quando a galinha é assada no carvão.
sexta-feira, novembro 19, 2004
Jorge Viegas
O NÚCLEO TENAZ
Ao Sebastião Alba
Com o poema
abriremos a noite,
jugularemos o medo.
Com o poema
construiremos o homem.
Não o homem definitivo,
enquistado em verdades irrecusáveis,
em certezas absolutas,
mas o homem
em permanente transformação.
O homem em viagem,
o homem-interrogação.
Porque o poema é sempre
(mesmo o das palavras mansas e amáveis)
o núcleo tenaz
duma revolução.
[111]
O NÚCLEO TENAZ
Ao Sebastião Alba
Com o poema
abriremos a noite,
jugularemos o medo.
Com o poema
construiremos o homem.
Não o homem definitivo,
enquistado em verdades irrecusáveis,
em certezas absolutas,
mas o homem
em permanente transformação.
O homem em viagem,
o homem-interrogação.
Porque o poema é sempre
(mesmo o das palavras mansas e amáveis)
o núcleo tenaz
duma revolução.
[111]
domingo, novembro 14, 2004
João Paulo Borges Coelho
AS VISITAS DO DR. VALDEZ (excerto)
(...)impera o silêncio naquela casa. Faltam palavras e sons no espaço que se foi cavando entre as duas mulheres. Sá Caetana, porque se recolheu dentro da tristeza e do rigor dos seus olhos fixos, da sua boca fina e cerrada; Sá Amélia, porque há tempo que deixou terra firme, navegando hoje num mar revolto onde não se descortinam territórios nem fronteiras, onde tudo é tão igual e amplo que nada fica por dizer.
A primeira, com os óculos pendurados na ponta do nariz, borda nos seus panos réplicas de sinais que o tempo já levou, sinais que transporta no interior da sua memória. Hoje está sentada na penumbra da sala. Desapareceram os recantos angulosos na escuridão que o fim da tarde já não consegue iluminar, ficou o espaço mais arredondado. Um último raio de sol incide sobre o pano cru onde ela vai bordando um par de gatos fofos, anafados. Gatos verdes, gatos que foi buscar ao sonho.
Na ilha do Ibo, onde cresceu, não havia gatos. Sempre que a sua mãe Ana Bessa os nomeava, povoando com um monte deles uma qualquer história fantástica, imaginava-os ela fofos e verdes (por um qualquer motivo nunca a mãe lhes dera cor, ou dera-a sem que a Caetaninha, criança dispersa e impaciente, a retivesse). Viu gatos mais tarde, claro, gatos de quase todas as cores que os gatos têm: pretos, brancos, castanhos, pardos. Mas os gatos que agora borda são os gatos verdes da sua infância. Gatos imaginários. Gatos alegres que brincam na mornidão daquele último raio de sol procurando chegar com as patas felpudas às minúsculas e infinitas partículas que ele transporta. Quando o dia acabar, quando se começarem a acender pequenas luzes nas janelas, Sá Caetana depositará o pano na cesta da costura e os gatos ali passarão a noite, inacabados, à espera que nova sessão de bordado lhes aumente a definição.
Também Sá Amélia visita o passado. Só que com muito menos rigor que a outra, e também com um proveito diferente. Incursões violentas, erráticas, destituídas de critério. Que a deixam a ronronar de prazer ou a assustam e fazem gemer baixinho. No lugar dos gatos da irmã, com as suas cores de fantasia, são temporais que descabelam coqueiros, são vagas de trabalhadores macondes do coqueiral com dentes aguçados e faces escarificadas onde o diabo deixou estranhos sinais. Olhando Maméia, criança e feia, com os seus olhos amarelos.
- Caetana, tenho medo! – diz ela nessas alturas, num fio de voz, como se fosse há muito tempo e ela fosse pequena e chamasse pela mãe, Ana Bessa, na varanda da Casa Grande.
[110]
AS VISITAS DO DR. VALDEZ (excerto)
(...)impera o silêncio naquela casa. Faltam palavras e sons no espaço que se foi cavando entre as duas mulheres. Sá Caetana, porque se recolheu dentro da tristeza e do rigor dos seus olhos fixos, da sua boca fina e cerrada; Sá Amélia, porque há tempo que deixou terra firme, navegando hoje num mar revolto onde não se descortinam territórios nem fronteiras, onde tudo é tão igual e amplo que nada fica por dizer.
A primeira, com os óculos pendurados na ponta do nariz, borda nos seus panos réplicas de sinais que o tempo já levou, sinais que transporta no interior da sua memória. Hoje está sentada na penumbra da sala. Desapareceram os recantos angulosos na escuridão que o fim da tarde já não consegue iluminar, ficou o espaço mais arredondado. Um último raio de sol incide sobre o pano cru onde ela vai bordando um par de gatos fofos, anafados. Gatos verdes, gatos que foi buscar ao sonho.
Na ilha do Ibo, onde cresceu, não havia gatos. Sempre que a sua mãe Ana Bessa os nomeava, povoando com um monte deles uma qualquer história fantástica, imaginava-os ela fofos e verdes (por um qualquer motivo nunca a mãe lhes dera cor, ou dera-a sem que a Caetaninha, criança dispersa e impaciente, a retivesse). Viu gatos mais tarde, claro, gatos de quase todas as cores que os gatos têm: pretos, brancos, castanhos, pardos. Mas os gatos que agora borda são os gatos verdes da sua infância. Gatos imaginários. Gatos alegres que brincam na mornidão daquele último raio de sol procurando chegar com as patas felpudas às minúsculas e infinitas partículas que ele transporta. Quando o dia acabar, quando se começarem a acender pequenas luzes nas janelas, Sá Caetana depositará o pano na cesta da costura e os gatos ali passarão a noite, inacabados, à espera que nova sessão de bordado lhes aumente a definição.
Também Sá Amélia visita o passado. Só que com muito menos rigor que a outra, e também com um proveito diferente. Incursões violentas, erráticas, destituídas de critério. Que a deixam a ronronar de prazer ou a assustam e fazem gemer baixinho. No lugar dos gatos da irmã, com as suas cores de fantasia, são temporais que descabelam coqueiros, são vagas de trabalhadores macondes do coqueiral com dentes aguçados e faces escarificadas onde o diabo deixou estranhos sinais. Olhando Maméia, criança e feia, com os seus olhos amarelos.
- Caetana, tenho medo! – diz ela nessas alturas, num fio de voz, como se fosse há muito tempo e ela fosse pequena e chamasse pela mãe, Ana Bessa, na varanda da Casa Grande.
[110]
quarta-feira, novembro 10, 2004
Albino Magaia
NO SUL NADA DE NOVO
Ao mestre Craveirinha
Lá mais para o Sul
Mandela
continua a sonhar com uma estrela
Violas electrónicas do Soweto
vomitam notas de sangue
sobre os céus de Johannesburg
enquanto Miriam Makeba
curte o exílio na Guiné
Há joverns que morrem
suicidando-se em Smadje-Mandje
num contraste de preto e branco
com a sumptuosidade multinacional
nos lupanares do Transkey
Mama Winnie
essa grávida de coerência
continua a sonhar com o gesto íntimo de Nelson
depois de séculos de separação
como se fosse brincadeira
a interposição de Vorster e Botha
entre ela e os beijos do seu herói
Em Robben
há um militante não racista que morre
e os sobreviventes entoam Nkosi Sekelela
enquanto a noite da África Austral
ganha mais uma estrela
que não é ainda
a estrela com que Mandela sonha
Ouvi dizer
pelos jornais e pela rádio
que os filhos de Ghandi e outros deserdados
ganharam direito a voto lá no Sul
Só que os guerreiros de Tchaka
estão a morrer baleados ou enforcados
num ensaio geral organizado e eficiente
da nova edição modernado Dingana´s Day
NO SUL NADA DE NOVO
Ao mestre Craveirinha
Lá mais para o Sul
Mandela
continua a sonhar com uma estrela
Violas electrónicas do Soweto
vomitam notas de sangue
sobre os céus de Johannesburg
enquanto Miriam Makeba
curte o exílio na Guiné
Há joverns que morrem
suicidando-se em Smadje-Mandje
num contraste de preto e branco
com a sumptuosidade multinacional
nos lupanares do Transkey
Mama Winnie
essa grávida de coerência
continua a sonhar com o gesto íntimo de Nelson
depois de séculos de separação
como se fosse brincadeira
a interposição de Vorster e Botha
entre ela e os beijos do seu herói
Em Robben
há um militante não racista que morre
e os sobreviventes entoam Nkosi Sekelela
enquanto a noite da África Austral
ganha mais uma estrela
que não é ainda
a estrela com que Mandela sonha
Ouvi dizer
pelos jornais e pela rádio
que os filhos de Ghandi e outros deserdados
ganharam direito a voto lá no Sul
Só que os guerreiros de Tchaka
estão a morrer baleados ou enforcados
num ensaio geral organizado e eficiente
da nova edição modernado Dingana´s Day
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